SÓ GOZO COM QUEM DÁ

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

FRANÇOIS SILVESTRE


Visita de Chico Preá.




Nem percebi sua chegada. Entretido na leitura de um blog do meu agrado, dei por ele quase em frente do computador. Chapéu de couro bem cuidado, bigode aparado, óculos de sombra. Bateu os calcanhares, à moda prussiana, produzindo o barulho do choque entre os saltos das botas. “Essa é a continência da Guarda nacional”. Disse ele e estirou a mão.

 


Larguei o computador e saímos para o alpendre. Notei que seu cavalo estava no sol. “Ponha o cavalo na sombra”. Disse eu. “Deixei no sol porque tudo depende da recepção. Se a demora fosse pouca, não precisava gastar sombra”.


Puxou o cavalo para debaixo de uma mangueira, retirou a chibata do pulso e a deitou na sela. Perguntei se queria alimentar o amigo. Ele disse que sim. Uma bacia com milho e outra com água. “Se farte aí, Suspiro”. Ele disse, enquanto alisava o pescoço do seu cavalo branco, alvo como os doces feitos de clara de ovo.

 


“Mescla nova, poeta”? Perguntei. “Encontrei numa loja de tecidos, daquelas inexistentes, lá em São Bento do Bofete”. Ele nunca aceitou o Janduís. “Difícil foi encontrar alfaiate. Num tem mais. Fui achar uma costureira no Jenipapeiro de Portalegre. Desmanchei o rolo completo em calças e camisas”. E batendo na perna arrematou: “Santa Isabel da legítima”.

 


Servi uísque, pinga e cerveja. Três tipos de copos. Ele perguntou o motivo de três copos diferentes. Respondi que cada um servia para uma bebida diferente. “É muita frescura”. Ele arrematou. “Basta uma quenga de coité”. E tomou de tudo no mesmo copo.



Falamos de muita coisa. “Como vai a Viçosa”? Eu quis saber. “Tá bonita e estranha. Era melhor nos tempos de seu Ozéas, com os bodes no meio da rua comendo manjerioba”. Provoquei. “Tá nostálgico, poeta”? Ele aboticou os olhos. “Nostálgico, uma merda. Eu tô é cansado de ser velho”.

 


Perguntei por onde ele viera. “Vim pelo Cumbe, as veredas tão mais seguras que as estradas”. Aproveitei para provocar. “Como anda nossa segurança, poeta”? Ele pensou um pouco e respondeu: “Tá como diz Manelito de Taperoá, a pior das péssimas”.



Assunto vai assunto vem, mete-se intrometida a política. “Ano que vem tem eleição, poeta. Tem voto certo”? Ele virou um gole de Malhada, limpou a boca com as costas da mão e resmungou. “Tanto que eu quis votar no tempo dos exilados. Tanto. Agora fico pensando que não restou mais nenhum exilado para merecer meu voto”.


“E a poesia, como vai”? Eu perguntei. “Vai como ensina aquele poeta do Recife, bolo de liquidificador. Todo mundo é poeta. Todo mundo é socialista. Todo mundo é democrata. Todo mundo é honesto. É tanta bondade que o mundo perdeu a graça. Não há mais o que se combater. Só falta dar descarga”.


Colaboração de François Silvestre

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