SÓ GOZO COM QUEM DÁ

sexta-feira, 29 de abril de 2011

FELIPE E SEVERINO

Publicado no Novo Jornal/RN

Hoje amanheci com a síndrome do Mosteiro da Trapa. Quem se lembra do único cumprimento permitido aos monges daquela casa soturna? Pois é. “Lembrai-vos da morte, irmão”.

Porém, ao falar de Felipe e Severino não é a morte que me acena. Ambos eram portadores da vida no que ela tem de mais exuberante. Simples, honestos, transparentes, leais.

Felipe nasceu em Floresta do Navio, ano de 1925. Pela vida que levou jamais imaginaria passar dos oitenta. Passou. E me parecia ser imortal. Na infância, teve o pai assassinado. Bate perna pelo Brasil todo. Mora muito tempo em São Paulo. Volta ao Nordeste nos anos Setenta e casa com Raimunda Nobre, fixando-se em Umarizal. Primo legítimo por parte do meu pai, único parente dele, além dos filhos, no Rio Grande. Éramos encangados. Havia um quarto dele na minha casa de Cajuais da Serra. Ele era a festa permanente no alpendre do sítio.

Onofre Lopes, médico e irmão cafuzo, tornou-se amigo e admirador de Felipe no primeiro contato. Décio Holanda Também. Júnior Targino era doido por ele. Era assim. Ninguém resistia a Felipe. Analfabeto, só assinava o nome. Letra belíssima. Conhecia as linhas de ônibus de São Paulo por detalhes só dele. Observador, ele era o meu caratômetro. Ao conhecer uma visita nova, ele ficava na espeita. Depois me informava sobre a impressão da figura. Nunca errou.

Um dia, ele me disse: “Véi, já tô usando fralda. Num tenho mais o qui fazer aqui”. Faleceu de infarto alguns messes depois.

Os seus teréns continuam onde ele deixou, no quarto que ocupava ao subir a serra, com Raimunda e Mundica.

Antes de aprumar do tombo com a ida de Felipe, outra bordoada. Severino. Mais novo do que Felipe, apenas passara dos setenta. Cunhado, com o qual o convívio era de irmão. Além de ser o meu assessor pra tudo. Problema de computador, ligava pra Severino, que providenciava o técnico. Queimava o chuveiro elétrico, lá vinha ele com sua tenda e paciência. Problema no Mirante, chama Severino. Sem falar que foi ele o feitor da obra da Casa de Cultura e organizador de toda a instituição.

Safenado, há mais de vinte anos, ele levava uma vida regradíssima. Da alimentação às caminhadas. Vez ou outra, meia garrafa de vinho tinto. Deixou uma pela metade, no Mirante. Gostava dos tintos chilenos.

Família pequena e unida. Sua mulher, minha irmã; um filho, nora e três netos. Cabiam todos no seu fusquinha.

No sepultamento, uma cena comovente. Todo o comércio baixando as portas ao passar do féretro. Uma homenagem singela e espontânea. Ô texto difícil.

“A morte não separa ninguém, quem separa é a vida”. Disse o poeta. Será?

Dois sanhaçus de jaqueira pousaram na tábua das frutas. Um sabiá de laranjeira avisa chuva. A ipoméia abriu um cacho novo. A vida debocha da morte. Té mais.

François Silvestre

quinta-feira, 28 de abril de 2011

quinta-feira, 14 de abril de 2011

ATÉ

OVELHINHAS

...
Um pastor de ovelhas estava cuidando de seu rebanho, quando surgiu pelo inóspito caminho uma Pajero 4x4 toda equipada.

- Parou na frente do velhinho e desceu um cara de não mais que 30 anos, terno preto, camisa branca Hugo Boss, gravata italiana, sapato moderníssimo bicolor, que disse:

- Senhor, se eu adivinhar quantas ovelhas o senhor tem, o senhor me dá uma?

- Sim, respondeu o velhinho meio desconfiado.

- Então o cara volta pra Pajero, pega um notebook, se conecta, via celular, à Internet, baixa uma base de dados, entra no site da NASA, identifica a área do rebanho por satélite, calcula a média histórica do tamanho de uma ovelha daquela raça, baixa uma tabela do Excel com execução de macros personalizadas, e depois de três horas, diz ao velho:

- O senhor tem 1.324 ovelhas, e quatro podem estar grávidas.

O velhinho admitiu que sim, estava certo, e como havia prometido, poderia levar a ovelha.

O cara pegou o bicho e carregou na sua Pajero.

Quando estava saindo, o velho perguntou:

- Desculpe, mas se eu adivinhar sua profissão, o senhor me devolve a ovelha?

Duvidando que acertasse, o cara concorda.

- O senhor é advogado ?!?! diz o velhinho...

- Incrível! Como adivinhou?

- Quatro razões: primeiro, pela frescura; segundo, veio sem que eu o chamasse; terceiro, me cobrou para dizer algo que já sei. E quarto, nota-se que não entende merda nenhuma do que esta falando: devolve já o meu cachorro!!!!

Advogado é tudo igual... e as advogadas também.. rsss

terça-feira, 5 de abril de 2011

A HORA DO PLANETA?

François Silvestre

Marcaram para apagar as luzes por uma hora de alerta para adiar a morte do planeta. Aurélia me ligou do Rio, pedindo para apagar as luzes do Mirante.

A vida é um assunto local, como ensinou Charles Chaplin. E aqui, na serra do Martins, nós temos a “hora do planeta” quase todo dia. Tudo promovido pela Cosern. COSERN. Uma empresa pública vendida em ano eleitoral.

Se o destino político da comunidade depende dos seus líderes, o nosso aqui é nadar num açude de merda. Vejamos: Zé Agripino chega aqui, só nas campanhas e em todas as campanhas, prometendo um teleférico. Isso se repete há mais de vinte anos. Garibaldi Filho vendeu a Cosern para uma empresa espanhola, cujos donos nem sabem onde fica esta província rejeitada por João de Barros. Wilma de Faria chegou prometendo transformar Martins numa nova Gramado. Deixou o povo comendo grama.

Votei em todos três. Não posso reclamar na condição de eleitor. Reclamo na condição de traído. De bocó, que sou. Acreditei nessa gente repetidamente.

O teleférico de caçuá, que liga o eleitor à urna e espera o promitente a cada quatro anos. A Cosern vendida, com a promessa de melhor assistência e serviço. O serviço era ruim. Ficou pior. A nova gramado é uma grota de catapora, com grama morta e fauna em processo de extinção.

Pois bem. Quando a Cosern era pública, com toda ruindade, havia um escritório de representação em cada município. Bem ou mal, a cada problema os servidores locais tomavam conhecimento e proviam solução. Se fosse uma canela caída, resolvia-se em poucos minutos.

Hoje, aqui em Martins, se cair uma canela do poste, passamos no mínimo quatro horas sem energia. A gente liga para um atendente. Registra a ocorrência e informa que vai acionar a área técnica. Só que os técnicos mais próximos estão em Umarizal. Se estiverem resolvendo outro problema, ligam para Caraúbas, ou Alexandria ou Pau dos Ferros. São quatro escritórios para 52 municípios. Economia empresarial, prejuízo popular. É o socialismo brasileiro.

As oscilações de energia aqui são constantes. As lâmpadas piscam como árvore de natal. Queima de computador, televisão, geladeira é coisa comum. Ninguém vai atrás. Reclamar ao bispo? Ele tá em Mossoró, rosadinho do sol. Ao Ministério Público? Cadê os holofotes!? Equipamentos de sucata, na terra do turismo.

Pra completar, um Juiz de Direito, plantou palmeiras imperiais sobre a rede elétrica. Pra ele, nenhum problema. Não mora aqui. Quando cai uma palma daquele monstrengo nos fios, são oito “horas do planeta”.

Agora mesmo estou no apagão do magistrado. Na última ligação, a atendente sugeriu paciência. “Anote o número do protocolo para futuras reclamações”. E eu anotei. Porque gente besta, tabaco do cão. Té mais