Não sei de onde se tirou essa história de ficha limpa da sociedade. Todo mundo agora é paladino da ética. É tanta pureza e limpeza que chegam a ofuscar os olhos dos santos.
Não há político ficha suja que tenha chegado ao poder por conta própria. Todos chegam lá e lá permanecem por obra e graça de todos nós.
Quem fez de todos eles os donos do poder? Nós. Sociedade e “povo” somos os avalistas da ficha suja. Somos os seus patronos. Fomos nós que colocamos e mantivemos no poder Adhemar de Barros, Moisés Lupion, padre Godinho, Antônio Carlos Magalhães, Zé Sarney, Jáder Barbalho, Collor, Renan, Jereissati, Mão Santa, Roberto Jeferson, Zé Dirceu, Paulo Maluf.
A primeira ficha suja é do eleitor. Ingênuo ou venal. A cidadania de meia-sola e democracia de meia-tigela.
Todo mundo tira uma lasquinha. Mecânicos de carro, de eletro-doméstico, pedreiros, profissionais liberais, comerciantes, industriais, religiosos, taxistas, autônomos, flanelinhas, empregados domésticos. Onde anda a ficha limpa?
Nas igrejas, balcões de fazer grana. Nos jornais, o interesse político partidário escancarado. As televisões frutos de concessões pela via do tráfico de influência. Indústria e comércio sob suspeita do comprador e vigilância da sonegação. Nem os rótulos merecem crédito. Os estudantes ingressam nas faculdades de olho no mercado. A cara limpa do nosso aprendizado matou a vocação. Os provedores da ética, no serviço público, motivam-se pelo contracheque.
Essa gente que comanda o poder é a outra face da nossa cara. Somos cúmplices. E hipócritas.
Lembram da promotora pública que era o terror da delinqüência? Na vida privada retirava crianças de um abrigo de adoção para torturá-las em sua casa. Aquele promotor que era a encarnação de São Francisco? Após a descoberta de sujeiras na biografia, sumiu. O pastor que proibia os fiéis de irem ao cinema, pois tudo era coisa do demônio, foi apanhado num esquema brabo de pornografia. Todo moralista carrega uma penumbra que esconde os defeitos apontados nos outros.
Agora, é a “sociedade como um todo”, essa expressão cretina, que vira puritana. Aqui, ó.
Cá, na paquidermia, quem é o responsável pelos vinte e cinco anos de poder do trio iraquitim? Quem os elegeu? Nós. Eu votei em todos eles. Posso cobrar pureza com pose de autoridade moral? Não posso. Posso fazer autocrítica. Um governo eficiente faria em quatro anos o que eles não fizeram em vinte e cinco.
Tenho lido e ouvido sermões éticos de gente que não resiste a uma oportunidade. Mas os moralistas são exigentes e ventosos. Ao cobrarem pureza os buracos do nariz viram boca de trombone. Tudo falso, sonso, mentiroso.
A expressão “falso moralismo” é uma redundância. Não há moralismo honesto. É uma deformação da moral.
O Brasil só tem ficha limpa na geografia! Té mais.
Por François Silvestre
Nenhum comentário:
Postar um comentário