Todos nós carregamos a negação das virtudes. E sempre vemos nos outros os defeitos que possuímos e rejeitamos. É da nossa natureza. Virtude é uma ilusão, no campo do caráter humano, tanto quanto a imortalidade. Uma engana o corpo. Outra ilude a alma.
Há pessoas cuja posse da desvirtude é tão clara que não ilude nem o espelho. E distribuem o líquido crotálico pelas praças e ruas com a mesma naturalidade de assoar o nariz.
Há desvirtudes mortais ou veniais. A vaidade, a arrogância e a soberba são defeitos menores. Não deformam o caráter. Mas há desvirtudes que infelicitam o portador ao ponto de fazê-lo carregar um cacimbão de amargura sobre os ombros do fígado. A inveja é o principal desses atributos.
O invejoso nutre pelos invejados uma relação conflituosa que vai da fronteira do ódio à ribanceira da admiração.
Nem a inveja escapa da dialética. Assim tal qual o colesterol, também a inveja pode ser boa ou má. A inveja de quem gostaria de produzir algo que foi feito por outrem, sem negar o valor da criação, nem odiar o criador, é um sentimento benéfico.
Quando Caetano Veloso canta e divulga uma canção de Peninha, declarando que gostaria de ter composto aquela melodia, exercita uma inveja saudável. Quando Jarbas Martins declara publicamente sentir inveja de alguns textos e qualidades de outros poetas, apenas demonstra não ter inveja no sentido mórbido. São alterações de sentido que fogem da semântica para o estuário do temperamento individual.
Quem declara invejar por respeito ou admiração não é invejoso. É platéia que aplaude.
Quem nega invejar e fala mal, adjetivando, sem fundamentar substantivamente é o típico portador da inveja mórbida.
Talvez a inveja tenha sido ao longo da criação artística na literatura universal a desvirtude mais presente nos grandes personagens. Em Shakespeare ela é tão presente quanto a morte. Em Molière nem se fala. E aí, por aonde andar o leitor, nas estradas das escritas, vai sempre ter uma estalagem de inveja para hospedar o interesse na leitura.
Até porque a literatura não foge muito da face da notícia. E ninguém compra jornais para ler a normalidade da vida. O que mais vende jornal é a desgraça. Seja coletiva ou individual.
É de bom alvitre informar ou repetir que a inveja também pode ser coletiva. Um conjunto que não suporta o sucesso de outro aglomerado. Uma comunidade que sofre com o êxito de outro grupo.
Uma socialite disse certa vez uma verdade estarrecedora: “Amigo não é só quem ampara na desgraça, mas quem suporta o sucesso do outro”. Essa frase me leva a Mário Moacir Porto: “Há questões que dispensam as razões abonadoras de sua origem”.
Dito isso, só posso declarar que a citação da granfina vale por todo este texto. Té mais.
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