SÓ GOZO COM QUEM DÁ

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O ANIMAL GRATUITO

François Silvestre

(Publicado no Novo Jornal de Natal RN)

A principal conseqüência da abolição da escravatura não foi de natureza social, mas antropológica. Deu ao negro uma condição que era apenas do branco e do índio. Isto é, após a Lei Áurea o negro passou a ser também gratuito.

Integrou-se ao conjunto da conceituação de Otto Lara Resende.

A partir daí o único animal humano exposto à venda é o eleitor. Procura-se uma lei de lata para ele.

Mas há um problema: o eleitor não quer a abolição da sua escravatura. A eleição é a feira onde ele se põe à venda. E esse negócio tem muitas faces ou variadas relações de troca.

Há o que se vende por uma passagem, uma receita médica, uma catraca de bicicleta, um terno de time, uma conta de luz, um bujão de gás. Esse é o venal que nem sempre entrega a mercadoria. Isto é, nem sempre vota no comprador. Ou vende várias vezes o mesmo voto. Dizem os próprios que o voto vai para o último que comprar. Por isso é de bom alvitre deixar para comprá-lo na véspera ou no dia. O “líder” municipal é peagadê nesse balcão. As madrugadas da véspera viram uma feira livre, de motos e carros, dentre compradores e fiscais dos já comprados.

Há o vendedor de “boiada”. “Líder municipal”, que vende o pacote.

Há o que se vende por uma benfeitoria aparentemente de interesse público, porém de utilidade pessoal. O calçamento de uma viela onde há cinco casas e todas pertencentes ao mesmo proprietário. Um poço em terreno público, próximo apenas de um único sítio. Um poste com luminária que clareia somente a mansão da esquina. Esse é o venal nobre. Não há cheiro do zinabre nas mãos.

Há o venal por emprego. Esse tem várias faces. O emprego pode ser para ele próprio ou para outrem do seu interesse. O carente de emprego nem sempre tem prestígio suficiente ou acesso ao candidato. Vale-se da força de um padrinho; que pode ser um cabo eleitoral, um “líder” comunitário ou até mesmo um figurão da vida social.

Há o leitor barato; que se vende pela simpatia do candidato, pela vaidade de ser lembrado, pelo discurso bonito ou até pela crença das propostas. Tô nesse time. Mas confesso que o meu voto vale tão pouco, que se eu tivesse necessidade, o venderia por um pão doce com caldo de cana. Ou por uma tapioca do Chapinha, com mate gelado, dos tempos da fome na Casa do Estudante.

Não tiro a razão dos vendedores de voto. Não. Eles são a cara da nossa democracia cidadã. Da nossa legislação de faz de conta. Dos nossos paladinos públicos e privados.

Salvar o que resta das matas, pra quê? Da cultura, pra quê? Da dignidade, pra quê? É preciso manter a patifaria para garantir o emprego dos moralistas. Catedrais da hipocrisia.

E quem nada puder fazer de útil pela vida pública, que o faça na privada. Té mais.

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