SÓ GOZO COM QUEM DÁ

terça-feira, 24 de agosto de 2010

TRAQUINAGEM E ADIVINHAÇÃO

François Silvestre
O engenheiro Ângelo da Costa, vulgo Costa de Luiz Lino, disse certa vez que descobrira a minha real ideologia. Após assistir a alguns capítulos do “Bem Amado” de Dias Gomes, que a televisão popularizou, Costa não teve mais dúvidas. “Você é um Esquerdista Cervejista”. Pronto. Tava aí a definição mais próxima da verdade que mereceu minha ideologia. Analogia da jenipapança.

Dia desses, ele me telefonou para lembrar uma lição do matuto, meu tio, Zé Suassuna de Alencar. “Seu Zé me disse, numa tarde distante de Umarizal, que a adivinhação é prerrogativa dos velhos e a traquinagem é direito das crianças”. Repetiu o texto integral: “velho que não adivinha tá bom de morrer e menino que não traquina precisa de médico”.

Tudo para falar de festas e dores da velhice. Foi dito que a única alternativa para a velhice era a morte. Portanto, não é apenas saudável gostar de ser velho. É o único jeito de adiar a despedida. Como definiu a mulher do filósofo: A vida é um demorado adeus.

Quanto mais demorar melhor. Só que a alegria apressa o tempo. E o sofrimento o alentece. Taí a encruzilhada. Se for feliz, o tempo voa. Enquanto a dor amarra os ponteiros.

Duas horas numa festa não dura cinco minutos. Dois minutos sob tortura atravessa o século.

Dos tempos da traquinagem, cada criança carrega consigo um baú de lembranças. E elas se grudam feito tatuagem no matulão da memória.

Não há velho que não carregue uma criança para esticar as rugas do peito. Que o faz, na ante-sala do sono, sentir o cheiro de uma mareta de açude. Cá no sertão. Nas cidades, as lembranças são outras. Se bem que lembrança de menino é como casa de avó; só existe uma. E todas estão no mesmo endereço.

Das traquinagens experimentei todas. Ou quase todas. Das imitações dos adultos, das mentiras cadentes, das safadezas e ritos que inventam prazeres e descobrem o sexo.

Mas havia o confessionário para purgar as culpas. Tudo até a Sexta-Feira. Semana de sacanagens. No Sábado, a confissão. O padre alemão, geralmente reprimido, demorava perguntando os detalhes das bronhas ou do troca-troca. No Domingo, o corpo de Cristo. A hóstia feita de finíssima película de trigo, que se dissolvia na língua antes do sabor atingir o paladar.

À saída da igreja, o corpo leve. E a promessa feita diante da imagem da Conceição de que aquela seria a última penitência paga. Não pecaria nunca mais. Como era bom carregar o corpo maneiro. Só faltava voar.

Segunda-Feira, pela manhã, os primeiros encontros com a turma da bola de meia e das gaiolas. Discussões, palavrões. Na Terça-Feira, o corpo com saudade do peso. Voar uma ova.

O banho da tarde já cobrava o trabalho da mão. Fazer o quê? Era preciso arranjar assunto para o confessionário. Té mais!

Nenhum comentário:

Postar um comentário