SÓ GOZO COM QUEM DÁ

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A PLATÉIA QUE APLAUDE

 François Silvestre

Quando você fala mal dos corruptos, os corruptos lhe aplaudem. Porque eles não se sentem elencados. E assim o fazem os ladrões, os burocratas e os picaretas de todas as tonalidades.

Cada um se sente o observador da carapuça do outro. E conserva o cocuruto descoberto.

Quando você fala mal dos eleitores venais, o mundo vem abaixo de tanta palma. Ninguém se acha vendedor do próprio voto. Mesmo com a quitanda exposta ao sol da praça, escangalhada no furdunço do mercado.

Quando você se inclui no rol da patifaria, recebe a solidariedade cândida e generosa dos colegas.

Tem mais mentira num carro de som, que passeia sem pedir licença nas veredas dos meus ouvidos, do que num romance do realismo mágico.

Tá na praça. Tá na igreja. Tá no palanque. Tá no banco. Tá na loja. Tá no palácio. Tá no tribunal. Tá no blog. Tá no jornal. Tá na televisão. Tá no alpendre da minha casa. A mentira é a sombra que nos segue. E quando falta a luz de fazer sombra, ela se incorpora feito tatuagem.

A mídia é o ancoradouro da frota que alça aos ventos o miasma de intestinos podres. Panarício social. Quando abre uma fresta ao sarjar da crítica, escancara a janela toda ao pus do carnicão.

Viva o tempo da mentira. Todos os tempos também o foram. Mas anteontem era o tempo da mentira carroçável. Ontem, o tempo da mentira analógica. Hoje é o tempo da mentira digital. Basta estirar o dedo. E mantê-lo estirado. Haverá sempre alguém que o mereça.

O nazareno silenciou sobre a verdade ante a provocação de Pilatos. Os políticos silenciam sobre a mentira ante a provocação da história.

Certa vez, no Jeca, cruzamento da Ipiranga com São João, Mário Quintana disse que a mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer. Depois essa frase virou verso de um poema que consta da sua obra. Ele era assim. Fazia poesia numa conversa banal, com a mesma naturalidade com que uma criança monta e desmonta o universo.

Será que as verdades da nossa história simplesmente deixaram ou se esqueceram de acontecer?

Será que o nosso poder público é uma verdade que só acontecerá no futuro? Em que futuro? Longe? Perto?

Não peço que mintam menos. Pelo contrário. Estou me abastecendo de mentira política para exercitar minhas mentiras literárias. E escrever romances.

Indispensável na literatura, a mentira é a melhor verdade. Esquecida na política, a verdade é a pior mentira.

Foi pra isso que duas gerações se deixaram consumir de exílio, tortura, morte, censura? Foi pra isso?

Foi pra isso que morreram, sob tortura, operários, estudantes, intelectuais, religiosos? Velhos e adolescentes. Foi pra isso que desapareceram corpos que nunca mereceram o enterro comum dos mortos?

Foi pra isso? Pra essa democracia beiçola de caçuá? Té mais.

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