SÓ GOZO COM QUEM DÁ

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A JITIRANA SE PREPARA!

François Silvestre

 Depois de dois anos de muita água, irregularmente distribuídas, e do ano passado quase seco, começam a renovar as águas de barragens e açudes. Tudo se parece com ano de bom inverno. Essa palavra mágica que, no sertão, possui semântica própria.

Nada a ver com inverno europeu. Nem com neve ou Papai Noel. Nem com o símbolo musical das Estações de Vivaldi. Quando muito, uma generosa confusão do equinócio com o humor de São José.

O matuto tradicional não se convence com as previsões televisivas nem com as explicações científicas. Essa constatação da influência da relação entre a temperatura dos oceanos e o tempo de chuva ou estiagem não encontra abrigo nas avaliações temporais do sertão.

O El Ñino ou La Ñina, um portador da seca e outra mensageira das águas, não se hospedam nas crenças daqui.

Já em Setembro, o sertanejo começa a fazer uma leitura do tempo. Numa mistura dos sinais da natureza com suas crendices e superstições.

A incidência dos redemoinhos de Setembro, com a soltura farta da flor-de-seda, a gordura dos inchuís ou a feitura da casa do mané de barro. Tudo se soma aos presságios religiosos.

O dia de Santa Luzia é um deles. Se chover forte e sair o sol será ano de bom inverno. Se não chover, será inverno irregular. Se passar o dia nublado, com chuvisco, é seca na certa.

A carga do catolezeiro, com a queda de cocos maduros nos fins de Janeiro, é bom sinal. A floração das aroeiras e os cachos da jurema branca também mandam recados.

Somam-se o cantar do fura-barreira e o canto dobrado do sabiá de laranjeira. O raspado da rã, como se alguém estivesse coçando com as unhas o fundo dum pote.

A casa do mané de barro, espécie de iglu de alvenaria, deve estar com a porta virada para o Poente. Caso contrário, vem seca braba. Nem La Ñina salva.

As florações ou floradas das xerófitas dependem desses sinais. A flor do marmeleiro, mesmo com a volta da rama, só se arrisca após florar o pereiro. Ou o desabrochar do priquito-de-nega, com suas pétalas imitando grandes e pequenos lábios da vagina. É uma imitação da orquídea dendróbio. Lembrando que orquídea significa pequeno testículo. Tudo a ver com inverno e reprodução.

No meio disso tudo, a jitirana cabeluda aguarda a consolidação do inverno para poder expor suas belas, pequeninas e vivas flores brancas.

Seus galhinhos finos e intrometidos, que se enfiam no meio dos galhos de outras plantas, são cobertos por uma textura de suaves pelos que lhe dão esse nome.

As outras jitiranas; brancas lisas, azuis, amarelas e róseas não fazem véspera. Floram juntamente com os camarás, juremas e angicos. Carobas, croatás, ubaias e mutambas.

Quando a jitirana cabeluda flora, a fava está enchendo a vargem e a boneca do milho virando espiga. Té mais.

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