SÓ GOZO COM QUEM DÁ

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O BELO DO FEIO

François Silvestre

Ataliba nasceu em Umarizal, mais precisamente no Rabo da Gata, perto da casa de dona Ninita, mãe da ex-prefeita Loreto. Vivia de agricultura, dividindo um roçado com o poeta João Menezes.
Ao saber que o irmão do poeta havia partido de casa com destino ao seminário de Mossoró, Ataliba perguntou se era verdade, ao encontrar-se com o violeiro, ainda de manhã, no roçado dos dois. “É verdade, João, que Antônio foi ser padre”? E João Menezes respondeu: “Foi sim. Ele tá lá sendopade e eu aqui padecendo”.
O ano seguinte foi seca braba. O plantio de milho e feijão só serviu para perder as poucas sementes que sobraram do ano anterior. O prefeito prometeu falar com o governador. O governador prometeu falar com o ministro. O ministro prometeu falar com o presidente. E o presidente prometeu.
O vizinho sugeriu se queixar ao promotor. O promotor moveu uma ação civil pública. O juiz intimou o prefeito. O prefeito provou que o promotor era incompetente. O juiz arquivou a ação.
João Menezes afinou a viola e foi ganhar dinheiro nas feiras.
Ataliba não tocava viola nem pandeiro nem sanfona. Só punheta. Pra não morrer de fome, resolveu retirar. Mas não foi para São Paulo. Foi pra Goiás e depois pro Pará, onde trabalhou de escravo numa fazenda pras bandas de São Geraldo do Araguaia.
De lá, conseguiu fugir com mais dois colegas e se mandaram para o Rio de Janeiro. Trabalharam na tina, de vigia de prédios, catando lixo, lavando pratos, o escambal.
Até que descobriram uma oferta de trabalho numa cidade serrana do estado do Rio.
Tudo muito bonito. Lindas mansões, exuberantes jardins. E o melhor: chuvas francas. Pra quem retira da seca, o verde é uma permanente lente de contato que acalanta os olhos.
Corta e volta para Umarizal. Dona Etelvina, mãe de Ataliba, não desgruda da televisão. O filho mora naquele lugar onde tudo está desabando. Ela conta que falou com ele por telefone. E ele disse: “O tempo está muito bonito, mas a chuva é demais e não cabe do chão”. Dona Etelvina não entende. A televisão diz que o tempo está horrível por lá.
É que tempo bonito para sulista é sol escaldante e ausência de nuvens. Pra nordestino, tempo bonito é o nascente cor de chumbo com as nuvens prenhas para parir água nas grotas e baixios.
Dona Etelvina passou dos setenta. Cabeça pretinha. Alguém comentou com ela sobre seus cabelos pretos. E ela respondeu: “Pois é. Aqui em cima só foi sofrimento e tá tudo preto. Lá embaixo só foi diversão e tá tudo branco”. E ainda perguntou se o rapaz queria ver.
Enquanto isso a natureza vai respondendo como pode às agressões que sofre da estupidez humana.
Urge que as serras potiguares, agredidas e abandonadas, ponham as barbas de molho. Té mais.

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