SÓ GOZO COM QUEM DÁ

domingo, 6 de março de 2011

DA MORTE

Walter Bezerra

O que é viver senão um estágio para a morte?
Quando defendemos uma ideologia,
e ela não floresce, não morremos aos poucos?
Quando amamos e não há reciprocidade,
não violentamos o fígado, pâncreas,
pulmões, tripas, mente, coração?
Os humanistas e os apaixonados são suicidas
involuntários.
Quem dera, antes de morrer, possa eu esclarecer
o que se fez dúvida ou má interpretação.
Quem dera, antes de morrer, possa eu me redimir
com aqueles que, por negligência, não os inclui
entre os meus prediletos.
Quem dera, antes de morrer, possa reconciliar-me
com aqueles que, por omissão, não me dediquei
com a merecida intensidade.
Quem dera, antes de morrer, possa desculpar-me
com aqueles que, por imprudência, não amei
com a devida ternura..
Quem dera, antes de morrer, possa eu, no meu ínfimo
alcance, contribuir para que os que são manipulados
covardemente repugnem os seus déspotas.
Quem dera, antes de morrer, possa eu deixar algum
legado para os oprimidos e os que sofrem
de prisão de ventre neurônica.
Não tenho medo da morte,
mas desejo que ela permita que as rugas
me venham primeiramente.
Morrer precoce é uma tirania.
Sei que a morte é inevitável,
mas espero que ela não me surpreenda
fulminantemente.
Espero que ela me venha dócil, lentamente, subindo degraus.
A pior das mortes é a súbita.


Quando eu morrer, não me visitem o túmulo,
porque nem a minha alma niilista
estará mais ali.
Quando eu morrer, não me acendam velas,
porque luz não haverá mais em mim.
Quando eu morrer, pra que flores
se eu não poderei mais sentir-lhes
o perfume?
A lembrança que se tem de alguém que se foi
é a única explicação teórica da ressurreição.
O nascimento é, por si só, a anunciação da morte.
Imortal é aquele que nunca nascerá.
A morte nos mora na vida;
ela é o pagar das luzes,
a plenitude da solidão.
Morrer é dar adeus em silêncio;
é colocar um ponto final na poesia
que somos nós.

3 comentários:

  1. Se não postou a autoria, seria ela do Bode?

    Duras verdades.

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  2. Caro amigo, foi colocada a autoria.
    Valter Bezerra
    Concordo plenamente com o autor.
    Mé mais!

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  3. Foi mesmo Bode, é que não percebi. Mas também gostei. abraço.

    Hállyson Brenno

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