SÓ GOZO COM QUEM DÁ

domingo, 11 de setembro de 2011

MAIS UM ESQUECIDO


François Silvestre.

Tenho lido cobranças sobre nomes esquecidos de ilustres filhos naturais ou adotivos dessa Capitania rejeitada pelo primeiro donatário. Mesmo sem afeto pelos donos, sempre gostei da palavra “donatário”. Mais robusta do que governador. A força da palavra faz o verso.
Rei é uma palavra monótona, só tem pompa. Reitor me sugere mais autoridade do que diretor. Gerente é coisa de fazenda. Capataz carrega um som de sangue. 
Os ditadores detestam a palavra e o riso. Quantas fotos há de Médici rindo? Raríssimas. Ria com dificuldade. E quando o fazia seu rosto não era o mesmo. Sem rir ele conseguia ser menos antipático. Talvez por não mostrar o sangue dos torturados entre os dentes. 
As palavras possuem uma plástica que as tornam bonitas ou feias. Assim como as cores, há palavras frias ou quentes. Chama é uma palavra fria. Crua é quente. Não é o sentido, mas o travo do som.  Os palavrões nem sempre são palavras feias.
Exemplo de palavras feias? Sacristão, fogaréu, excelência, comichão, gulodice, tortura, tripa, verruga, tolete. 
Por que escrevo sobre palavra e tortura num texto sobre um homem esquecido? Porque ele foi um virtuoso da palavra e um resistente de duas ditaduras.
Seu nome? Odilon Ribeiro Coutinho. Leitor voraz e escritor bissexto foi chamado pelo amigo Gilberto Freire de ensaísta preguiçoso. Escreveu muito pouco, se olharmos a vastidão de sua cultura. Seu texto era composto de períodos longos, o que exigia atenção do leitor sob pena de perder o fio da meada.  
Possuidor de um dos maiores acervos bibliográficos do Brasil, que ele organizou num anexo de sua casa em João Pessoa. Tive acesso a essa biblioteca mais de uma vez. 
A sala principal da casa parecia em processo de mudança, com tanta coisa espalhada, amontoada, numa desorganização metódica. Numa mesa redonda, restos de vinhos tomados por visitantes ilustres. Noutra, uma edição do Capital em alemão. Não em livro, mas em disco. Um serrote de elepês. 
Deputado pelo Rio Grande do Norte, foi informado de que seria cassado. Denunciou da tribuna da Câmara: “O mandato não é meu. Se me cassarem é do povo que o roubam”. Essa frase, na primeira página do Jornal do Brasil, foi afixada no mural da Casa do Estudante. 
Foi ele quem implantou e consolidou a Cosern, criada por Aluízio Aves. Filho de Santa Rita se dizia ceará-mirinense. 
Até quem não gostava dele, por sua condição de usineiro, reconhecia sua postura de resistência, integridade e filiação incondicional à democracia. 
E por falar em síndrome de rejeição da nossa Capitania, Odilon figura entre os rejeitados da memória coletiva dessa terra com mapa de elefante e memória de lagarta. Té mais.

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